2021 ማርች 7, እሑድ

DIA INTERNACIONAL DA MULHER – BEATRIZ DE ALBUQUERQUE A PRIMEIRA GOVERNANTE DAS AMÉRICAS

Foram inúmeras as mulheres que fizeram História no Nordeste do Brasil. Falar de todas seria tarefa impossível. Assim optei por citar apenas uma, porém emblemática. Beatriz (Brites na grafia da época) de Albuquerque.

Dona Brites de Albuquerque era uma nobre portuguesa, esposa do primeiro donatário de Pernambuco, Duarte Coelho e filha de Dona Joana de Bulhões e Lopo de Albuquerque, Conde de Penamacor. Por ter assumido o governo da capitania por mais de uma vês é reconhecida como a primeira governante das Américas.

Brites de Albuquerque nasceu em Portugal em 1517, portanto chegou bem jovem ao Brasil. Beatriz fazia parte da poderosa Família dos Albuquerque, arrolados entre os “barões assinalados” do poema Os Lusíadas.

Brites de Albuquerque teve dois filhos, ambos nasceram em Olinda, Duarte Coelho de Albuquerque e Jorge de Albuquerque Coelho. Assumiu interinamente o governo da capitania de Pernambuco pela primeira vês quando o marido, Duarte Coelho foi envolvido em uma intriga e teve que viajar a Lisboa, ocasião que aproveitou para levar os filhos pequenos para completar os estudos no Reino.

Principiou-se esse mal entendido quando da criação do governo Geral do Brasil com sede em Salvador em 1549. Essa forma de governo fora criada pela coroa pelo fato de terem arruinado o sistema de capitanias, porém Pernambuco ficara de fora por ter tido pleno êxito. Administrativamente Olinda passou a ser assistida com uma Câmara Municipal, uma das primeiras criada no Brasil, o Senado de Olinda, informações que constam em carta datada de 15 de abril de 1548 de Duarte Coelho para o Rei Dom João III. Em 1554 Duarte Coelho viaja para Portugal para audiência com o rei, porém como já era idoso vem a falecer em Lisboa.

Com a morte do marido Dona Brites permanece como regente, ocupando o cargo com todas as honras e obrigações devidas, recebendo, inclusive o título de Capitoa. Brites permanece governando até a maioridade dos filhos. Estes regressaram de Portugal por volta de 1660, quando Duarte de Albuquerque assume como segundo donatário. Os dois filhos de Dona Brites tiveram que voltar a Portugal para serem incorporados a armada do rei Dom Sebastião em 1572, aonde feridos vieram a falecer.

Mais uma vez dona Brites assume o comando da capitania de Pernambuco permanecendo no cargo até a sua morte em 1584.

A revista do IAHGP, (Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco) ano 1947, transcreveu o registro da transmissão de poder do filho para a mãe:

“Passar cartas de ofícios e serventes deles e de confirmações, e de tudo o mais que ela vir que é necessário e que cumpra a governança da terra, e possa dar terras de sesmarias, e licenças para se fazer engenhos de águas, e trapiches, e marinhas de sal, e todos os engenhos que se houverem de fazerem toda essa capitania, conforme capítulo de doação...” (CAVALCANTI, 2012, p. 223)

Diante de tão importantes fatos relacionados ao pioneirismo de Dona Brites fica o orgulho de nós nordestinos por termos acolhido em nossa região uma mulher admirável sob todos os aspectos de sua personalidade.

"Dona Beatriz é considerada pelos especialistas como uma das mais ilustres brasileiras, sendo que durante o seu governo, manteve a ordem e a paz da Capitania de Pernambuco, combatendo as insurreições indígenas, legislando e controlando os assuntos dos colonos e construindo e urbanizando núcleos, como Olinda, onde faleceu, provavelmente entre junho e outubro de 1584." (WIKIPÉDIA)

Brasão de Duarte Coelho
Brasão de Duarte Coelho
Freyre (1960, p. 04)

Armando Farias


CAVALCANTI, Carlos Bezerra. Olinda: um presente do passado. Olinda: 2012. 

FREYRE, Gilberto. Olinda: 2º guia prático, histórico e sentimental de cidade brasileira. 3. ed. rev. atual. aum. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960.

2021 ማርች 5, ዓርብ

A "PARTICIPAÇAO" do Ceará na REVOLUÇAO PERNAMBUCANA

Considerada por historiadores como o único movimento reacionário no Brasil colônia que se pode chamar revolução foi a Revolução Pernambucana ou “Revolução dos padres” que, de fato, trouxe a independência do país de Portugal.

Foi gestada no Seminário de Olinda por padres e seminaristas entre os quais o cearense subdiácono José Martiniano de Alencar. Também teve adesão de ricos comerciantes ligados a  maçonaria e militares, ganhou a participação imediata do Rio Grande do Norte e Paraíba.

O Ceará não chegou de fato a aderir, pois o que seria seu representante, o seminarista e membro da Academia do Paraíso Martiniano de Alencar fora preso em sua terra natal logo que começara a divulgação dos ideais do movimento.

O estopim foi o motim de 6 de março de 1817 no Recife que culminou com o assassinato do comandante da guarda por um oficial. As causas principais que levaram ao movimento foi a insatisfação com as regalias das elites e com a elevação de impostos desde a chegada da família real portuguesa.

Após derrotarem as tropas de Portugal, os revoltosos formaram um governo provisório e difundiram as ideias em outras regiões do Brasil.

Na capitania do Siará foi sob as ordens do governador Francisco Sampaio que o coronel Alexandre Leite Chaves de Melo se aquartelou em Ruças com as forças de Linha, Milícias e até de índios auxiliares do seu comando de fronteira para combater os revoltosos. Dali partira toda a sua ação, prendendo posteriormente no Crato os padres Carlos de Alencar, José Martiniano, Tristão Gonçalves e Dona Bárbara de Alencar, todos engajados no movimento emancipado republicano. Segundo o Historiador Paulino Nogueira, presos, os três últimos foram trazidos para Fortaleza onde ficaram reclusos “em estreitíssimo e imundo calabouço no antigo quartel da 1* linha, entre a cadeia do crime e a fortaleza”. Dona Bárbara ocupou cela separada dos dois filhos que ficaram juntos. Posteriormente por ordem do governador Sampaio todos foram conduzidos a acomodações mais espaçosas e arejadas. Por fim os presos foram conduzidos à Bahia para julgamento.

Falsa prisão de D. Bárbara de Alencar´
BARROSO (1962, p. 305)

A Constituição da nova república, muito avançada para a época, causou dissensões enfraquecendo o movimento. Entre os artigos mais polêmicos estavam o da igualdade de direitos que levaria a emancipação de escravos, e livre culto religioso indo de encontro ao monopólio da Igreja Católica.

Em 19 de maio de 1817 o governo provisório da República de Pernambuco apresenta sua capitulação perante o comando da esquadra que havia sitiado o  porto do Recife.

Pernambuco teve por castigo imposto por Dom Joao VI a perca territorial referente ao hoje estado de Alagoas onde alguns senhores de engenho não aderiram ao movimento, território então de Pernambuco, passando a constituir uma capitania autônoma.

 

 Armando Farias

BARROSO, Gustavo. À margem da história do Ceará. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1962. 

2021 ፌብሩዋሪ 24, ረቡዕ

VIÇOSA DO CEARÁ Monumento Nacional

Em agosto de 2003, o Sítio Histórico de Viçosa do Ceará passou a ser considerado patrimônio nacional. Isso significa o reconhecimento do valor da nossa cidade para todo o país. Durante os séculos XVII E XVIII, a atividade missionária dos jesuítas tornou-se o principal fator para a ocupação e colonização daquelas terras tabajaras da Ibiapaba. Das dezenas de aldeias ali existentes quando da chagada do europeu, apenas duas não sucumbiram a sua ambição. Estas, dominadas pela primeira missão jesuítica para ali enviada, constituíram a formação de uma aldeia-mãe, fundamental para a expansão do projeto colonial lusitano. Assim prefixou-se a célebre Aldeia da Ibiapaba, onde conviveram, por cerca de um século, mais de 6.000 índios, um dos maiores continentes indígenas da América Latina.

Ibiapaba, serra talhada, na linguagem indígena, foi o sítio onde originou-se a cidade de Viçosa do Ceará, primitivamente a Aldeia de Nossa Senhora da Assunção. Situada em local estratégico, na divisa entre duas zonas administrativas do Brasil-colônia e relativamente próxima do mar, Viçosa configurou-se num importante entreposto comercial e de comunicação, tendo por isso grande importância aos olhos portugueses. Dessa forma, a cidade contribuiu para a conquista e o povoamento do Nordeste brasileiro.

As ruas de Viçosa do Ceará, seu casario, sua igreja matriz e tantas outras edificações que permaneceram, contam melhor do que ninguém como era essa época e como viviam as gerações passadas. Para o país, Viçosa é um exemplo muito importante desse período, que só chegou aos nossos dias porque a cidade foi preservada.

Você já parou para pensar no que isso significa? Qual a importância de tudo isso para nossa cidade? Por que é preciso preservar o patrimônio cultural de Viçosa do Ceará para as futuras gerações? É sobre isso que queremos conversar com você. (PAIVA, 2004, p. 05)

Theatro Pedro II

Vista do Theatro Pedo II - Desenho de Domingos Linheiro, 1999. (PAIVA, 2004, p.12-13)


PAIVA, Olga Gomes (coord.); LINHEIRO, Domingos Cruz; DUARTE JR., Romeu. Viçosa do Ceará: roteiro para a preservação do Patrimônio Cultural. Fortaleza: IPHAN 2004.

2021 ፌብሩዋሪ 23, ማክሰኞ

Padre Antonio Vieira no Ceará

Muito se lê acerca dos dois períodos em que o Padre Antonio Vieira esteve em missão no Brasil, Maranhão e Grão Pará, (1653) e (1654/1661). Sobre o ano que esteve no Ceará mais precisamente na Serra da Ibiapaba quase nada. Gustavo Barroso dedica um capítulo do seu livro À Margem da História do Ceará (p. 36) ao “insigne jesuíta”.

Vieira foi deveras perseguido por combater a escravidão indígena chegando ao ponto de ter que regressar a Portugal. Retornou ao Brasil “armado com poderes extraordinários” dados por sua majestade Dom João IV que o nomeou Pregador Régio para dar continuidade a sua missão.

Foi nessa segunda permanência no Brasil que perdurou por seis anos e meio (maio de 1654 até fins de 1661), que Vieira em sua derradeira missão se deslocou para o Siará. O Padre Antonio Vieira partiu de São Luis para a Ibiapaba em 3 de março de 1660 acompanhado de dois jesuítas, Dom Jorge e o Padre Gonçalo de Veras e aproximadamente 50 índios pacíficos. Percorreu 600 léguas do Tapajós a Ibiapaba intercalando jornadas a pé e embarcado, costeando o litoral alguns dias, terminou a travessia por terra. Chegaram descalços, com os pés em chagas após 21 dias de jornada.

Chegaram na serra na quarta-feira de treva da semana santa que logo seguiu-se uma celebração, bem como em todos os dias da semana maior. Foi eleito padroeiro da missão da serra São Francisco Xavier, que teve sua imagem introduzida no altar da igreja.

João Francisco Lisboa anota o quão era difícil essa travessia do Maranhão para o Ceará, “senão como coisa impossível, ao menos como dificultosíssima”.

Vieira otimizou o percurso de viagem fazendo um reconhecimento do relevo, vegetação e hidrografia da região. Levantou 16 igrejas ao longo desse trajeto, produziu vários compêndios em sete idiomas indígenas e em português entre formulários e catecismos. Pacificou, converteu e civilizou diversas nações indígenas.

Chegando à Ibiapaba Vieira fixou-se na aldeia de Viçosa hospedando-se no sítio da Companhia, o Tiaia, de que nos dá notícia Milliet de Saint Adolphe. Barroso assinala que são escassos os pormenores desse período.

Vieira nomeou “um superintendente índio que vigiasse a sua observância, ao qual intitulou Braço-dos-Prades”. Vieira de pronto realizou muitos prodígios entre os gentios, como batizados, casamentos e pacificação em geral.

Após a passagem de Vieira pela aldeamento de Viçosa, essa foi oficializada aldeia em 1700, depois se fez vila e finalmente cidade. Quase nada material ficou de testemunho dessa missão. Barroso nos informa “uma relíquia preciosa e gloriosa: a singela cadeira de braços seiscentista, de couro pregueado, em que ele costumava sentar-se e que, certamente, amarrada a dois varais, servia para transporta-lo, carregada pelos índios sob as ordens do Braço-dos-Padres”. “Durante séculos conservou-se guardada na capela de Nossa Senhora da Assunção, onde a vi na ultima vez em que estive em Viçosa, no ano de 1937. Dali transferiram para o rico e admirável Museu Diocesano de Sobral, criação do venerável e erudito bispo-conde d. José Tupinambá da Frota. Nele encontrei e fiz fotografar em 1955”.

Poltrona do Padre Antônio Vieira
Poltrona do Padre Antônio Vieira - Museu Diocesano de Sobral
Barroso (1962, p. 33)


Documentalmente falando referente ao Ceará Vieira nos legou o texto ”Relação da missão da serra da Ibiapaba” de 1660. Contém o relato das tentativas de catequizar (converter ao cristianismo) os indígenas Tabajaras. Aponta o modo de vida do povo Tabajara, os seus costumes e crenças e a forma como os protestantes holandeses avançaram na mesma região.

Segue trecho da descrição poética de Vieira sobre a serra. “Ibiapaba, explica em carta, na linguagem dos naturais que dizer serra talhada, não é só uma serra como vulgarmente se chama, senão muitas, que se levantam ao sertão das praias de Camuci; e mais parecidas a ondas do mar alterado, que a montes, se vão sucedendo e encapelando umas após das outras, em distancia de mais de 40 léguas. São todas formadas de um só duríssimo rochedo; em partes escavado e medonho; em outras coberto de verdura e terra lavrada, como se a natureza retratasse nesses negros penhascos a condição de seus habitantes; que, sendo sempre duros como de pedra, às vezes dão esperanças, e se deixam cultivar. Da altura dessas serras não se pode dizer coisa certa, mais que são altíssimas, e que se sobem as que o permitem, com maior trabalho da respiração, que dos mesmos pés e mãos, e que é forçoso usar em muitas partes. Mas depois que se chega ao alto delas, pagam muito bem o trabalho da subida, mostrando aos olhos um dos mais formosos painéis, que por ventura pintou a natureza em outra parte do mundo; variando de motes, vales, rochedos, picos, bosques e campinas dilatadíssimas, e dos longes do mar no extremo dos horizontes...As águas são excelentes...” Sobretudo, olhando do alto para o fundo das serras, estão-se vendo as nuvens debaixo dos pés, que, como é coisa tão parecida ao céu, não só causam saudades, mas já parece que estão prometendo o mesmo que se vem buscar por êstes desertos. Os dias no povoado da serra são breves, porque às primeiras horas do sol cobrem-se com as névoas, que são contínuas, e muito espêssas. As últimas escondem-se antecipadamente nas sombras da serra, que para a parte do ocaso são mais vizinhas e levantadas. As noites, com ser tão dentro da Zona Tórrida, são frigidíssimas em todo o ano, e no inverno com tanto rigor, que igualam os grandes frios do Norte, e só se podem passar com a fogueira sempre ao lado.

Padre Antonio Vieira faleceu em Salvador, Bahia em 117 de junho de 1697.

 Armando Farias

BARROSO, Gustavo. À margem da história do Ceará. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1962. 

2021 ፌብሩዋሪ 18, ሐሙስ

PENSATA: A História não pode ser apagada

Monumento em homenagem a Matias Beck

Monumento a Matias Beck, na praça do Clube Náutico, em Fortaleza. 
Hoje já não se encontra no local, e não se tem conhecimento onde possa estar.
Foto do acervo particular

Diante da fotografia do monumento escultórico desaparecido há décadas em Fortaleza que homenageava a Matias Beck, fica a indagação, autoridades podem apagar a História?

Infelizmente faltam informações sobre esse monumento tais como; quem idealizou? Quem patrocinou sua confecção? Qual gestão viabilizou sua instalação? Qual artista de fato o produziu? E finalmente o que foi feito de tão simbólica memória de nossa cidade?

As gerações mais recentes não coexistiram com o monumento que fora implantado na pracinha defronte ao Náutico Atlética Cearense. As mais velhas pouco se lembram de tão simplória homenagem. Nada impedia que nossa população convivesse pacificamente com esse marco histórico, hoje desaparecido.

O que temos hoje, se deparando com a documentação que chegou a nossos dias depreende-se do fragmentado diário de Beck, é que a quarta expedição às terras cearenses no século XVII tratou-se da maior e mais organizada empreendida até então. Liderados por Matias Beck aportaram nas encostas do Mucuripe em abril de 1649.  Foi criterioso o projeto, implantação e construção do antigo Forte de Schoonenborch pelos flamengos no monte ou duna chamado “Marajaitiba”. Segundo documentos chegou a ser ampliado.

Não se pode afirmar que tal expedição não tivesse entre seu objetivo o de fundar um núcleo urbano, isso poderia ocorrer como uma consequência natural dessa empresa. Vencidos os flamengos em Pernambuco em 1654, após cinco anos deixam pacificamente a capitania. A mesma fortificação é imediatamente tomada pelas tropas lusas que o ocuparam e rebatizam. “O Schoonenborch foi levantado por Matias Beck a margem esquerda do riacho Pajeú em 1649, e não sofreu qualquer solução de continuidade em sua existência, sendo ocupado pacificamente pelos portugueses em 1654, após a rendição holandesa na Campina do Taborda, ocasião em que ganhou a denominação de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção”. p.73

Há aqui uma plena continuidade de uma praça fortificada com habitações indígenas em seu entorno que muito lentamente evolui a ponto de décadas depois fazer-se vila. É importante ressaltar que essa fortificação tornou-se o motivo pelo qual esse incipiente núcleo cresceu, inclusive abrigando um contingente populacional da vizinha Aquiraz acossadas por ataques dos aborígenes em 1713.   

Desprezando a enfadonha definição de criação de cidade e vila e as probabilidades de suas respectivas fundações, pode-se sim atribuir a Matias Beck os primórdios do futuro aglomerado urbano que hoje é Fortaleza. Seu diário não deixa dúvidas das possibilidades favoráveis existentes nas proximidades do forte.

Não há necessidade de oficialmente considera-lo o fundador de Fortaleza, há necessidade de reconhecer sua primazia, seu pioneirismo e empreendedorismo. A população, estudantes e turistas merecem deter essa informação para livremente poder formar conjecturas e o cruzamento com outros fatos históricos que estão diretamente ligados a esse evento.

Hoje não há nada em Fortaleza que rememore Matias Beck. Raimundo Girão ousou propor por em uma avenida o nome do “Experimentado Aventureiro, preposto da Companhia”, o que lhe custou o cargo de Secretário de Urbanismo na gestão do então prefeito Manuel Cordeiro Neto. Fica a ideia, homenageemos nossos precursores, isso é História.

Armando Farias

AMORIM, J. Terto de (Org.). O Siara na rota dos neerlandeses. Utrecht/Fortaleza: Augusto César Barbosa, 2014.

 

2021 ፌብሩዋሪ 10, ረቡዕ

OS HOLANDESES NO NORDESTE E AS CONSEQUÊNCIAS PARA O BRASIL

O açúcar, e não a esperança de encontrar minas foi a motivação ao ataque a Pernambuco, que como as demais colônias portuguesas se encontrava à época sob o domínio da Espanha, em guerra com a Holanda, que refinava todo o açúcar produzido no Brasil

Desde a formação da Companhia das Índias Ocidentais (1621), passando pela invasão em Salvador (1624/1625), Pernambuco (1630) e a Guerra da Restauração (1645/1654), vê-se um dos capítulos mais importantes e ricos em acervo documental da historiografia brasileira na primeira metade do século XVII.

Há relatos documentais a partir de 1623 que vinham sendo reunidos na Holanda sobre dados e informações sobre a Capitania de Pernambuco. São depoimentos de vários navegantes holandeses, índios levados por Boudewyn Hendriksz para a Holanda e na colaboração de judeus comerciantes que moravam em Pernambuco na remessa de informações para a Holanda. Grande também é a documentação produzida pelos holandeses durante os 24 anos de dominação do Brasil Holandês. Essa produção continuou ocorrendo no editorial europeu mesmo após o fim da ocupação dos Países Baixos no Brasil.

A produção historiográfica brasileira no tema é razoável. Esse conteúdo é regularmente exposto e prestigiado apenas em Pernambuco, ficando os demais estados do Nordeste que pertenceram aos domínios dos Países Baixos distantes desses fatos. Em nível nacional é insignificante a importância dada pela historiografia (IHGB). Facilmente constata-se nos livros didáticos que apenas superficialmente expõe o conteúdo sobre o domínio holandês. Da mesma forma a imprensa de forma geral procede.

Para além do acervo documental, o que de mais importante se pode ressaltar como consequência positiva para o Brasil do período Holandês no Nordeste:

  • a fundação da cidade do Recife;
  • o embrião de Fortaleza;
  • o sentimento do nativismo. (Os primórdios da formação do conceito de identidade de povo brasileiro);
  • destaca-se a formação de exercito brasileiro.

A FUNDAÇÃO DA CIDADE DO RECIFE

Até a chegada de Nassau a Pernambuco (1637), na povoação do arrecife era apenas o porto e suas instalações, assentadas no estreito istmo, que com a chegada da Companhia das Índias (1630) passou a abrigar um continente habitacional maior que a capacidade dos imóveis oferecia. A capital da capitania era Olinda.

Nassau assume o comando do Brasil Holandês com o cargo de governador geral. Aporta no Recife em 23 de janeiro de 1637 e trás em sua comitiva soldados e a primeira missão científica a cruzar a linha do equador, fato que propiciou “o mais completo levantamento artístico, paisagístico, cartográfico e científico desta parte do Novo Mundo no século XVII”. (DP, 2003, D2)

Para sanar o problema habitacional Nassau viabiliza projetos arquitetônicos para a construção, urbanização e ocupação da Ilha de Antônio Vaz que seria a Cidade Maurícia, oficializada em 17 de dezembro de 1639. As construções mais vultosas foram o Palácio de Friburgo ou Palácio das Torres, a Casa da Boa Vista e a construção de três pontes, as primeiras de grandes dimensões do Brasil. Tantas outras obras ainda nos dias atuais podem ser identificados seus vestígios. Acabava de nascer O RECIFE.

Estátua em meio corpo do conde alemão João Maurício de Nassau-Siegen
Estátua em meio corpo do conde alemão João Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679), governador do Brasil Holandês (1637–1644), situada na praça da República, em Recife (PE), em frente ao Palácio do Governo, inaugurada em 17 de junho de 2004, por ocasião do quarto centenário de seu nascimento 1604-1679. O monumento em bronze foi doação da República Federal da Alemanha ao povo de Pernambuco. Trata-se de réplica da escultura original, produzida por Bartholomeu Eggers (c.1630-1692) no ano de 1664, e que atualmente se encontra sob o túmulo de João Maurício de Nassau na cidade alemã de Siegen. 
Foto do acervo particular

O EMBRIÃO DE FORTALEZA

Com a implantação do primeiro Fortim de São Tiago na Barra do Rio Ceará por Pero Coelho de Sousa e sua continuidade em 1612 sob o comando de Martin Soares Moreno, redenominado Forte de São Sebastião existiu a vontade do colonizador português em criar um núcleo civilizatório na Capitania do Siará Grande até então despovoada do elemento europeu. Com a saída de Moreno em 1631 outras autoridades portuguesas assumiram a titularidade do São Sebastião.

Em outubro de 1637 cai a frágil fortificação na mão dos batavos sob o comando do major Joris Garstman e do Capitão Hendrick Huss que receberam ajuda estratégia dos indígenas Potiguaras chefiados pelo Cacique Algodão e Koigava. Esse continente militar holandês permaneceu no Forte de São Sebastião, consta em documentação pertinente que reformaram, ampliaram e municiaram o reduto passando a chama-lo de Forte do Siará (Arx in Siará).

Os objetivos da ocupação era manter um entreposto entre o Rio Grande do Norte e o Maranhão, capitania ambicionada pelos batavos. Havia também a extração do sal, que tinha elevado valor no mercado europeu, e o extrativismo e exportação do algodão, pau violeta e âmbar-grils. Durante o comando de Gedeon Morris de Jonge revelou-se ele um apaixonado pelas terras cearenses e como tal tentou promover seu desenvolvimento. Explorou áreas de salinas desde o Camocim até Mossoró, região que por muito tempo pertenceu a Capitania do Siará. Gedeon também introduziu o cultivo de vários vegetais nos arredores da fortificação. Fontes da época e historiadores modernos referem-se a Gedeon como ‘aventureiro” ou homem dotado de “muitas qualidades”. Era natural da Zelândia – Holanda. Na sua documentação pessoal percebe-se que passou cerca de oito anos prisioneiro nas terras do Maranhão (1628/1636), período que aprendeu a falar o português e a linguagem indígena.

O ambicioso projeto de desenvolver a exploração das salinas e exportação do sal fracassou diante dos poucos recursos disponibilizados pela Companhia WIC e pela malograda conquista do Maranhão (1641/1643) que ocasionou muitas dívidas e baixas no contingente de soldados e indígenas aliados. Em janeiro de 1644 Gedeon e toda guarnição neerlandesa do Siará foram trucidados por índios revoltosos, que depois se descobriu terem agido com terrível brutalidade.

Até o final da primeira incursão holandesa na Capitania do Siará Grande temos um insistente conceito por parte do colonizador de fixar-se na Barra do Rio Ceará, que por várias razões se mostrava para a época um inapropriado local para implantação de um futuro aglomerado urbano. Voltou a Capitania do Siará Grande a relativo abandono.

Em 1645 voltaram os batavos ao Siará em breve missão comandada por Roeloff Baro. Somente em 1649 é que a WIC envia Matias Beck ao Siará com o objetivo de localizar e explorar suposta mina de prata. A expedição partiu para o Siará em 20 de março, chegando ao Mucuripe a 3 de abril. Matias Beck rapidamente concluiu que a localização da antiga fortificação era inadequada. A água do Rio Ceará salobra, a barra assoreada e a distancia do “porto” eram fatores que o levaram a escolher as margens do Rivierbeken Genaalmd Marajaitiba (Riacho Pajeú) e do Bergh Marajaitiba (Morro do Pajeú) para instalar seu novo forte, denominado Schonenborch. Beck reforça sua escolha relatando em cartas aos superiores o cuidado com a defesa e que desde as encostas do morro do forte até as serras existiam grandes bosques e um grande estoque de madeira in natura. O fracasso das minas de prata relatadas pelos índios levou Beck a aproveitar os diversos recursos naturais e humanos da região propiciando a construção de um posto colonial. Acreditando no sucesso de sua empresa Beck chegou a escrever para Pernambuco solicitando a vinda de sua esposa. Não há comprovação se de fato ela veio.

Matias Beck aceitou a capitulação dos neerlandeses a 1 de maio de 1654, passando a administração da Capitania do Siará Grande ao português Álvaro de Azevedo Barreto. Sem saber do seu grande feito havia deixado como legado o embrião da futura cidade de Fortaleza.

Forte Schonenborch
Forte Schoonenborch, Riacho Pajeú e o Morro Marajataiba - 
detalhe do mapa: 't Forte Schoonenborch - Capitania de Siara
Amorim (2014, p. 69)


O Sentimento do Nativismo. (Os primórdios da formação do conceito de identidade de povo brasileiro).

Durante os primeiros anos que os holandeses estiveram no Nordeste do Brasil existiam capitanias autônomas, a despeito de haver um governo central não havia uma unidade como nação. Uma referencia anterior, análoga a esse movimento foi a participação do olindense Jerônimo de Albuquerque deslocado para o Maranhão para debelar os franceses, convocado na qualidade de militar. Martim Soares Moreno atuou como seu comandado. Não houve o engajamento de civis até porque a população de São Luiz era diminuta.

Um sentimento de nação começa a despertar em Pernambuco durante o período chamado de Guerra da Resistência (1630/1635). O general Matias de Albuquerque acompanhado de centenas de “pernambucanos” fundou a improvisada fortificação do Arraial do Bom Jesus (hoje Bairro de Casa Amarela) resistindo bravamente por cinco anos aos poderosos exércitos holandeses.

“Ao Arraial do Bom Jesus compareceram com seus comandados Luiz Barbalho e Martins Soares Moreno, Filipe Camarão com seus índios e Henrique Dias com seus negros, resolutos em manter uma guerra diuturna que veio a incutir na gente de Pernambuco o sentimento do nativismo”. (DP, 2003, D2) Diante de tremendos padecimentos, rendeu-se o Arraial sob o comando do Governador André Marim e seus capitães em 6 de junho de 1635.

Destaca-se a Formação do Exercito Brasileiro.

Passados dez anos da rendição do Arraial do Bom Jesus, voltam os pernambucanos a perseguir o ideal libertário. Liderados por João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros teve adesão de senhores de engenho, entre eles Antônio Cavalcanti e o Capitão Antonio Dias Cardoso, veterano em técnicas de guerrilha, e da população civil em geral. Eclodiu o movimento chamado Insurreição Pernambucana, mais precisamente no dia 13 de junho de 1645, no engenho São João da Várzea. A senha era a palavra açúcar. O movimento objetivava o fim do Brasil Holandês, consequentemente restituir a coroa portuguesa das capitanias do norte.

“Foi a Guerra da Liberdade Divina, como fora definida a Insurreição Pernambucana, eclodida em 1645, um movimento surgido a revelia da Coroa Portuguesa, da parte dos moradores de Pernambuco, destinado a expulsão dos holandeses do território compreendido entre o Rio São Francisco e a capitania do Maranhão”. (SILVA, p. 26)

“Antes dos Guararapes, os nascidos no Brasil mesmo quando filhos de portugueses eram simplesmente chamados de mazombos. O gentílico brasileiro, do qual tanto nos orgulhamos, é fruto desses nossos ancestrais que, a custa do seu sangue de suas vidas e suas fazendas, lançaram as sementes da nossa nacionalidade”. (SILVA, p. 26)

“Foi no calor da “guerra brasílica”, assim chamada para denominar a ampla utilização dos métodos e táticas de guerrilhas até então desconhecidos dos exércitos europeus que pela primeira vês mazombos e reinóis, índios brasilianos, negros de nação, crioulos e mulatos, formaram os seus terços e juntos lutaram pela restauração desta terra”. (SILVA, p. 26)

Em 1645 Fernandes Vieira da início a obras do novo forte denominado Forte Real do Bom Jesus. Em 7 de outubro d 1645 João Fernandes Vieira é aclamado “Governador da Liberdade”. No documento firmado constam de 133 nomes de moradores de Pernambuco entre senhores de engenho, clero, milícia e agricultores.

O governador Geral do Brasil, Antônio Teles da Silva enviava reforços da Bahia.

"Há um ponto muito importante a acentuar: é que a revolta contra o domínio holandês teve a justificativa religiosa, como disse Vieira –'a guerra se fazia pela honra de Deus e defesa da fé católica'". (p. 19, Santiago).  (PEREIRA, 1995) 

Os holandeses passaram a ficar sitiados no Recife, chegando a passar privações. Receberam reforços em 22 de junho de 1646. Animados mandaram cunhar duas moedas comemorativas, as primeiras que se tem notícia no Brasil.

“Reunidas as forças luso-brasileiras, formadas pelos terços de Vieira, André Vidal de Negreiros, os índios de D. Antonio Filipe Camarão, e os negros de Henrique Dias, os luso-brasileiros foram a luta contra as tropas holandesas. Seguiram-se as vitórias dos nossos em Tabocas e Casa Forte respectivamente a 3 e 17 de agosto de 1645, epopeia depois coroada nas duas batalhas dos Montes Guararapes, 1648 e 1649, antecedendo a rendição do Recife em 27 de janeiro de 1654”. (DP, 2003, D5)

Nos anos seguintes os luso-brasileiros continuaram em vantagem e reconquistaram as vilas de Penedo e Porto Calvo, seguida de Itamaracá deixando os holandeses sitiados no Forte Orange. Em 1647 o rei de Portugal envia para Pernambuco Francisco Barreto de Menezes para assumir o comando dos insurretos.

Foram sob o comando de Francisco Barreto que os luso-brasileiros derrotaram as duas tentativas dos holandeses de furar o cerco, encurralados nas duas Batalhas dos Guararapes em 1648 e 1649 respectivamente, piorando muito a situação dos flamengos.

Contribui a colaboração de integrantes da frota anual da Companhia de Comércio do Brasil que chegou ao Recife em 20 de dezembro de 1653, ficando acertado com o comando da guerra que os mesmos fariam o bloqueio da costa do Recife e Olinda. A partir de então foram caindo uma a uma às bases holandesas até a rendição a as 11 horas da noite do dia 26 de janeiro na Campina da Taborda depois de transcorridas 62 horas de negociações. Na mesma noite houve a entrega das chaves da cidade a Barreto de Menezes.

Maquete do Forte das Cinco Pontas exposto no Museu da Cidade do Recife
Foto do acervo particular

Foto do acervo particular

Interior do Forte das Cinco Pontas
Foto do acervo particular

Com a capitulação foi entregues pelos holandeses além das praças do Recife e Maurícia, as de Itamaracá, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, rendição definida pelo Barão do Rio Branco “como a mais importante que registra a História Militar na América do Sul”.  (SILVA, p. 29)

 HOMENAGENS PÓSTUMAS

Litografia em rótulo de cigarros com os quatro heróis: Vidal de Negreiros, Fernandes Vieira, Henrique Dias e Felipe Camarão. (WIKIPÉDIA)

Em 6 de agosto de 2012, a Lei Federal nº 12.701[7] determinou a inscrição dos nomes de André Vidal de Negreiros, Francisco Barreto de Menezes, João Fernandes Vieira, Henrique Dias, Antônio Filipe Camarão e Antônio Dias Cardoso no Livro de Heróis da Pátria (conhecido como "Livro de Aço"), depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, um cenotáfio que homenageia os heróis nacionais localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília(WIKIPÉDIA)


SALÃO GUARARAPES

O Salão Guararapes foi inaugurado em 1997 como um Espaço Cultural na Entrada Principal do Quartel-General do Exército, local de acesso a autoridades civis e militares, nacionais e estrangeiras, em visita à sede do Comando da Força Terrestre do Brasil.


Para tanto, este Salão apresenta diversos elementos representativos da história da Força Terrestre do Brasil, destacando-se o "Tapete Guararapes", o busto do Marechal Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, o símbolo e o brasão de armas do Exército Brasileiro, a réplica da estátua de Nossa Senhora dos Prazeres, os quadros do artista e historiador militar Coronel Pedro Paulo Cantalice Estigarríbia e a panóplia com as bandeiras históricas do Brasil, dentre outros itens.

TAPETE GUARARAPES

Este tapete, doado pela Fundação Habitacional do Exército para compor a decoração do Salão Guararapes, no Quartel-General do Exército, é uma reprodução da obra do pintor catarinense Victor Meireles, a qual representa um momento épico de nossa História: a Primeira Batalha dos Guararapes, ocorrida em 19 de abril de 1648, nos Montes Guararapes, próximo à cidade de Recife, Pernambuco, considerada o marco de criação do Exército Brasileiro.


Essa Batalha, ocorrida durante a "Insurreição Pernambucana", em 19 de abril de 1648, próximo à cidade de Recife, Pernambuco, é considerada o marco inicial do Exército Brasileiro. Naquela memoriável ocasião, nossas tropas, formadas por patriotas luso-brasileiros, negros e índios, venceram os invasores holandeses, muito superiores em número e armamento, forçando-os, posteriormente, a abandonar o Nordeste brasileiro.

Durante a Insurreição Pernambucana, com o “Compromisso Imortal de Ipojuca”, firmado em 23 de maio de 1645, pela primeira vez em nossa história se registrou o uso da palavra “Pátria” para referir-se a esta terra.

Armando Farias

AMORIM, J. Terto de (Org.). O Siara na rota dos neerlandeses. Utrecht/Fortaleza: Augusto César Barbosa, 2014.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Os Holandeses em Pernambuco: a civilização do açúcar. Recife, D2, D5, 21 jul.2003.
PEREIRA, Ruy dos Santos. Sobre a invasão holandesa. Jornal do Comércio, 11/6/1995.
SILVA, Leonardo Dantas. Para Entender o Brasil holandês. Revista Continente Documento. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, v. 1, n. 1, 2002.

2021 ጃንዋሪ 24, እሑድ

O Antigo Mercado Público de Sobral (DEMOLIDO)

A propositura para a construção do “novo” mercado público de Sobral remonta ao ano de 1818, portanto ainda nos tempos da Capitania do Siará Grande. A ideia partiu do Ouvidor Desembargador Manuel José de Albuquerque em uma Audiência Geral e de pronto foi aceita pelo Capitão Mor Ignácio Gomes Parente, que disponibilizou recursos pecuniários para a construção da obra, mais de três contos de réis. Também recebeu a adesão do Ajudante Joaquim José de Almeida, que se encarregou de aprontar os materiais e acompanhar toda a obra que recebeu das autoridades um prazo de dois meses para se concluir. 

Foi escolhida a Praça Barão do Rio Branco para a edificação do mercado. Por se tratar de uma área sujeita a alagamentos no período chuvoso foi necessário aterrar previamente o local. 

Antigo mercado público de Sobral
Mercado Público de Sobral - Praça Barão do Rio Branco
Foto do acervo particular

A obra foi finalizada e inaugurada em fevereiro de 1821 e no dia 28 do mesmo mês a Câmara reuniu-se e por decreto e deliberou as seguintes posturas (FROTA, 1953, p. 509): 
    1. Que do dia 5 de março em diante deve haver somente no Mercado Público toda a compra e venda de mantimentos e gêneros do paiz. 
    2. Permitta-se nelle também a venda de líquidos e ainda de bebidas espirituosas, guardadas nestas a moderação necessária a tranquilidade pública. 
    3. Nenhum roceiro ou outro qualquer vendedor, tendo de vender os seus mantimentos, legumes ou pescado, poderá fazel-o senão do dito Mercado, aonde dirigirá os seus carros e cargas em direitura, sem que dê logar a ser-lhe convocada a venda por travessia, a qual é prohibida em toda sua extensão, quer da parte do vendedor, quer da do atravessador: Bem entendido que se não compreendam nesse artigo as cargas que cada um manda vir para o consumo de sua casa e sustento de sua família. 
    4. Deverão os vendedores, donos de mantimentos de todas as qualidades entrar na Praça e expor ao povo a venda franca do que tiveram a vender pelos preços que lhe fizeram conta. 
    5. Não poderão, caso não tenham extração ao que tem a vender levantar a venda ao povo, enquanto não tiverem assim estado três horas ao mesmo. 
    6. Findas três horas, para benefício da agricultura e povo, lhes é permitido vender pelas ruas ou a quem quizerem; devendo porem assim praticar, obter primeiro bilhete de licença do Almotacé, escrita pelo Escrivão de que este lhe levará um vintém, quer de muitas quer de poucas cargas, comtando que sejam de um só dono: sem o qual é prohibida dita venda pelas ruas ou a quem quizer. 
    7. Contemplando esse Conselho os commodos que experimentam os lavradores e mais pessoas na mesma Praça, em que se gastou tão utilmente grande somma de dinheiro, e há falta de rendimentos do Conselho, devendo-se conciliar por todos os modos o interesse publico com o particular: Ordena mais o mesmo Senado o seguinte – De cada carro que conduzir à Praça gêneros e mantimentos do seu consumo, pagar-se-ão oitenta reis. 
    8. Haverá no Mercado uma pessoa capaz, que a Camara eleger para cobrador; e observa-se-há nesta cobrança a maneira seguinte – O Juiz Almotacé nomeará de seus offíciaes semanalmente hum, o qual será obrigado a estar na Praça. Este hirá dar entrada a todos os Carreiros, e conductores de caras; ele os lançará em um quaderno com seos nomes, quantias, e quallidades de mantimentos. Depois hirão pagar ao Cobrador, que fará igual assento, e no fim de Semana, cada hum levará o quaderno ao Procurador do Conselho, que as combinará, e receberá o eu tiver produsido; e dará contagem a Camara de qualquer dúvida, ou inconveniência para ser providenciada; devendo ao mesmo tempo o Juiz Almotacé ter toda vigilância nisto; podendo fazer todos os exames; e indagaçoens afim de obter-se a exactidão; e como tanto o official, como o cobrador ficarão onerados nesta cobrança, concede este 
    9. Os regatoens não poderam por meios directos ou indirectos atravessar mantimentos, nem tão bem augmentar escandalosamente os seus preços. 
    10. Toda e qualquer pessoa que contrariar por qualquer forma o determinado nas presentes Posturas, incorrerá nas penas de trinta dias de cadeia e seis mil reis de condenmnação para as despesas do Conselho. Os Juizes Almotaces ficaram responsáveis pelo seu inteiro, activo e zeloso cumprimento.
Observa-se com as posturas adotadas pela Câmara os cuidados do Poder Público com o bem estar dos seus jurisdicionados. A Lei era rigorosa ao combater e punir os atravessadores que especulavam para aumentar os preços dos gêneros deixando evidente as penas a serem aplicadas. 

Com o Mercado pronto a Câmara manifestou agradecimento ao Capitão Mor Inacio Gomes Parente pelo gesto de generosidade emprestando o dinheiro necessário para a construção do Mercado “sem juros ou interesse”. O documento datado de Villa de Sobral, Capitania e Comarca do Siará Grande, de nove de junho de mil oitocentos e vinte e hum annos, traz os devidos agradecimentos e as assinaturas das autoridades locais, 

“Antonio Furtado do Espírito Santo, Escrivão da Comarca que redigiu o documento. Também assinaram Antonio Carneiro da Costa, Antonio José de Faria, João Rodrigues de Azevedo e Vicente Carlos de Sabóia”. O documento foi selado com as Armas Reais. 

No ano de 1940 o prédio do Mercado Público de Sobral foi demolido pelo então prefeito Vicente Antenor Ferreira Gomes com o propósito de embelezar a Praça Barão do Rio Branco, hoje, Praça José Sabóia. 

Sobrado que pertenceu ao Major Manuel Francisco de Morais 
(à esquerda, que também figura na foto anterior) 
Frota (1953, p. 458)
Armando Farias

FROTA, José Tupynambá da. História de Sobral. Fortaleza: Pia Sociedade de São Paulo, 1953.

2021 ጃንዋሪ 20, ረቡዕ

O Engenho nos Séculos XVI e XVII

No século XV o açúcar era considerado uma especiaria, porém ao contrário das demais não se resumia a um produto agrícola “e sim o complexo resultado do beneficiamento apropriado da cana de açúcar que tinha de ser plantada, colhida, espremida, cosida, purgada e embalada até se transformar num bem comercializável.” (GOMES, 2006, p, 25). Finalizado existia dois tipos, o açúcar branco e o mascavo de menor valor. 

Segundo Schwartz (1988, p. 21,citado por GOMES, 2006 p 23), “originário das baixadas de Bengala ou do sudoeste asiático, a manufatura do açúcar de cana alcançou a Pérsia e dali foi levada pelos conquistadores árabes à costa ocidental do Mediterrâneo.”

Os portugueses se apropriaram do manejo da cultura da cana e da produção do açúcar e introduziram seu cultivo na Ilha da Madeira, chegando ao final do século XVI como o maior produtor de açúcar do ocidente. 

Foi o seu alto custo nos mercados europeus que propiciou o início da colonização portuguesa no Brasil. Os efeitos civilizadores e religiosos foram uma consequência dessa atividade econômica da qual era um negócio da coroa portuguesa. O epicentro dessa cultura era o engenho que nos séculos XVI e XVII se apresentava em um complexo de edificações demasiado rústicas e em alguns casos de caráter provisório. A chamada casa grande nesse período era construída de taipa e de abode, senzalas também de taipa, com uma única entrada e a “moita” - fábrica, preferencialmente na margem do rio. Em Pernambuco predominou moenda e caldeiras em um cômodo. Purga e encaixotamento em outro edifício, porém próximos. 

Durante as décadas que a Capitania do Siará Grande passou em abandono (1534/1603), Pernambuco e Bahia tinham intensa atividade econômica no plantio e produção de açúcar nos seus engenhos. Porém, pode se depreender que foi uma consequência do franco desenvolvimento desses dois centros que se deu início o processo colonizador da Capitania do Siará Grande, através de correntes migratórias provenientes de Pernambuco e Bahia, a partir do final do século XVII com a distribuição de sesmarias pela Coroa Portuguesa. 

Em 1542, engenhos já haviam sido implantados nas margens do Rio Beberibe, Salvador e Nossa Senhora da Ajuda. Seguiu se expandindo pela Região Nordeste no litoral oriental brasileiro conhecida por de Zona da Mata, que entre Alagoas e Rio Grande do Norte situa-se entre a área litorânea e o Planalto da Borborema. Na Bahia prosperaram na região conhecida por Recôncavo Baiano. Em ambos os casos regiões que ocorre o solo popularmente conhecido por massapê, uma estação chuvosa abundante e uma seca. 

Fixavam-se preferencialmente nos deltas dos rios para facilitar o transporte, onde os barcos levavam o produto finalizando e encaixotado ao porto. Também nesses locais havia abundância de lenha para alimentar as fornalhas que chegavam a queimar por sete a oito meses seguidos.

Moenda de engenho
Moenda de Engenho, vendo-se o sistema de transmissão de força para os cilindros, a partir da roda à água. segundo gravura holandesa do século XVII. Desenho de Frans Post (14,3 x 28,2 cm), do acervo do Museu Real de Belas Artes (Bruxelas). (Souza Leão, F. Post, 1973, n D 21).
Gomes (2006, p. 36)

Havia dois tipos de engenho, o engenho real, movido à água e de grandes proporções, e a engenhoca, movido à tração animal, com menor produtividade e custos mais elevados. A produção de um engenho a roda d'água dobrava em relação aos engenhos movidos a animais. No Ceará, essa nomenclatura (engenhoca) ficou associada a propriedades rurais no século XIX, que produziam aguardente e rapadura. 

No engenho real a produção alcançava 400 pães de açúcar. Eram necessários cerca de 150 a 200 escravos que se dividiam em escravos de enxada e foice para o campo e moenda, e os negros e negras para o serviço da casa. Em outras partes eram necessários vários profissionais para que um engenho de fato produzisse, fabricasse, transportasse e despachasse o açúcar, barqueiros, canoeiros, calafates, carpinteiros com as respectivas madeiras seletas, serrarias de machados e serras, carreiros, oleiros, vaqueiros, pastores e pescadores, um mestre de açúcar, um purgador,  um banqueiro e seu substituto, um contrabanqueiro, um caixeiro no engenho e outro na cidade, feitores e um feitor mor. Necessita ainda o engenho de fornalhas, caldeiras, barcas e carro de junta de bois.

No engenho real a moda de pequena cidadela havia vários edifícios, a casa para o senhor de engenho, quarto separado para hóspede, a capela e morada do capelão, morada dos demais profissionais, as senzalas, casa de purgar, alambique e outras instalações. 

Entre a segunda metade do século VXI e início do século XVII nota-se o crescente número de engenhos em Pernambuco; 23 em 1570 (Gândavo), 66 em 1583 (Cardim) e 77 em 1608 (Campos Moreno). 

A riqueza decorrente da produção e exportação do açúcar foi notada por Gabriel Soares de Sousa (1540/1591) que em seu Tratado Descritivo do Brasil de 1587 sublinha possuir Pernambuco “mais de cem homens que tem até cinco mil cruzados de renda, e alguns até oito mil cruzados.” (DP, 2003, D5)

Graças às vultosas exportações do açúcar de Pernambuco foi possível incrementar a colonização da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e a incorporação do Maranhão ao Brasil, fato que se deve ao olindense Jerônimo de Albuquerque, depois acrescido “Maranhão” ao nome tornando-se o primeiro capitão-mor da Capitania do Maranhão em 1615. (DP, 2003)

No século XVIII surgiu o ciclo do ouro, que coexistiu ao do açúcar que não se encerrou, pelo contrário, teve na primeira década do século XVIII um aumento no número de engenhos. Foi nesse século que alcançou a maior e mais rica produção arquitetural de Pernambuco e da Bahia. O que houve foi uma perca no mercado internacional, passando o Brasil a competir com a produção de açúcar do Haiti. O ouro, mesmo no seu auge não ultrapassou a renda proveniente do açúcar, que foi sempre superior a de qualquer outro produto. “quando as exportações totais do Brasil foram avaliadas em 4,8 mil contos de réis, o açúcar respondeu por 50% desse total e o ouro por 46%.” (SCHWARTZ, 1988, p. 169, citado por GOMES, 2006, p.26)

Armando Farias

DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Os Holandeses em Pernambuco: a civilização do açúcar. Recife, D4, D5, D6, 21 jul.2003.
ANDRADE, Manoel Correia de. Pernambuco imortal: nativos e colonizadores 1. Recife: Jornal do Comércio, s.d. 
GOMES, Geraldo. Engenho e arquitetura. Recife: Fundaj, Ed. Massangana, 2006.

2021 ጃንዋሪ 16, ቅዳሜ

O Dia do Ceará

Nos séculos XVIII e XIX a economia da Capitania do Sairá era predominantemente a indústria pastoril. Os rebanhos eram transportados por estradas aos grandes mercados, feiras de Pernambuco e da Bahia. O principal ator era o boiadeiro, o vaqueiro e o tangerino. Das praças consumidoras vinham instrumentos, panos e escravos. Essa modalidade de comércio causava diversos prejuízos por conta da longa jornada. A solução foi a comercialização do produto semi-industrializado na forma de mantas conservadas pelo sal. Com a grande aceitação do produto surgiu a venda através da navegação de cabotagem, assim as reses eram transportadas por menores distâncias, somente até os portos a serem carneadas. Os mais importantes eram os da embocadura do Rio Jaguaribe, Acaraú e Coreaú. 

Pintura de vaqueiro no sertão
Imagem do acervo particular

Até o final do século XVIII a Capitania do Siará continuava subordinada a Pernambuco. Sujeição que muito prejudicava o desenvolvimento local principalmente no tocante ao comércio com o Reino, que era obrigatório ser feito através de Pernambuco por intermédio do porto do Recife. 
 
Nesse período parte do comércio era constituído por gêneros da agricultura. A consequência desse processo de “baldeação” era a pequena margem de lucro que os produtores cearenses alcançavam visto que tinham que despender somas significativas com o frete até Pernambuco e para Portugal, encarecendo também ao consumidor final. Outro fator que inibia esse comércio era os naufrágios, que anualmente eram frequentes atribuídos a imperícia dos práticos. Esses altos custos também prejudicavam as trocas dos produtos locais com os importados, que alcançavam cifras elevadas e eram necessários no dia a dia da colônia. 

Tais fatores prejudicavam o desenvolvimento da Capitania do Siará, desestimulando um incremento na produção local. Foram muitos os clamores por parte dos cearenses e demais habitantes radicados na capitania ao Reino de Portugal com objetivo de pôr fim a essa condição. 

Porém nem todos perdiam. Os atravessadores tiravam vultosos lucros como verdadeiros especuladores sobre a situação. 

Essas demandas também enfrentaram a negativa dos Governadores de Pernambuco, que por motivos óbvios não queriam perder suas receitas advindas dos produtos do Siará e não queriam abrir mão dos domínios de uma jurisdição que compreendia mais de mil e duzentas léguas quadradas. Mesmo após o Decreto Real havia tentativas contrárias, chegando ao ponto de tentar burlar a medida régia. “Insistiam na velha prática de mandar por terra os seus cavalos e bois as feiras pernambucanas, fazendo voltar por via marítima artigos e panos para suas lojas.” (GIRÃO, 1959, p. 96)

A solução veio através do Decreto assinado pela Rainha Dona Maria I com data de 17 de janeiro de 1799 ordenando a separação. 

“Considerando os inconvenientes que se seguem, tanto ao meu Real serviço como ao bem dos povos, da inteira dependência em que os governos e as capitanias do Siará e da Paraíba se acham do Governador Geral da Capitania de Pernambuco, que pela distância em que reside não pode dar com prontidão as providências necessárias para a melhor economia interior daquelas capitanias.” (GIRÃO, 1959, p. 93)

“Em tudo que diz respeito a proposta de oficiais militares, nomeações interinas de oficiais e outros atos do governo”. Excluindo “defesa interior das três capitanias e a policia exterior interior das mesmas.”  (GIRÃO, 1959, p. 93)

E acrescentou “Igualmente determino que do Siará e da Paraíba se possa fazer um comércio direto com o Reino, para o que se estabelecerão, em tempo e luar convenientes, as bases da arrecadação que forem precisas e se darão as outras providencias, que a experiência mostra, para a comunicação imediata e o comercio da dita capitania com esse Reino.” (GIRÃO, 1959, p. 95)

De pronto foi nomeado Bernardo Manuel de Vasconcelos para o cargo de Governador da Capitania do Siará. Embarcou no comboy que tinha por comandante o chefe de esquadra Paulo José da Silva Gama, no dia 23 de maio de 1779. Decorridos quase três meses de navegação, chegou ao porto de Pernambuco no dia 11 de agosto, onde se demorou por trinta e nove dias, tempo necessário para preparar as embarcações que deveriam comboiar demais empregados e gêneros e pretextos da Real Fazenda. 

Em 25 de setembro, desembarcou no Porto de Mucuripe e em 29 do mesmo mês tomou posse do Governo. Bernardo de Vasconcelos demonstrou seu comprometimento ao novo cargo pondo-se ao par das necessidades da capitania que iria administrar, cercando-se de pessoas que nela já haviam habitado, destacando-se pelo elevado grau de instrução. Francisco Bento Maria Targine, que o encontrou ainda no Recife e tornou-se seu verdadeiro mentor. 

Bernardo de Vasconcelos mostrou-se deveras empenhado em dar cabo às ordens de Dona Maria I, bem como efetuou diversas benfeitorias na capital abrindo estradas para ligá-la ao interior, estimulando a produção de arroz, proibindo a devastação das matas e preservação da madeira de lei. Nesse período houve um incremento na construção de casas na capital, se deu a instalação da Junta da Fazenda em 1 de outubro de 1799, e das baterias levantadas no Mucuripe com o nome de Forte de São Bernardo. 

Bernardo de Vasconcelos faleceu no exercício das funções em 10 de março de 1802, não chegando portanto a ver a entrada do primeiro navio proveniente da Europa, fato que ocorreu em 10 de março de 1803, quando aportou no Mucuripe a Escuna “Flor do Mar”. 

De imediato, substituiu Bernardo Vasconcelos uma Junta Provisória. Deu continuidade ao seu trabalho o novo Governador nomeado João Carlos Augusto de Oeynhausen, militar ilustre e homem de Estado, aqui chegando em 11 de novembro de 1803. Foi durante a sua gestão que saiu do porto do Aracati o primeiro carregamento de algodão transportado pelo navio “Cobra”. Oeynhausen regularizou definitivamente o comércio entre o Siará e o Reino, livrando-se da incômoda obrigação de fazê-lo por Pernambuco. 

Não se pode deixar de mencionar o nome do rico português Antonio José Moreira Gomes, pioneiro empreendedor que desde 1777 estabeleceu-se em Fortaleza e foi grande incentivador e financiador do plantio de algodão, produto que após 1808 passou a comerciar também com a Inglaterra.

Armando Farias

GIRÃO, Raimundo. Geografia estética de Fortaleza. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1959.
GIRÃO, Raimundo. Pequena história do Ceará. 2. ed. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1962.

2021 ጃንዋሪ 14, ሐሙስ

A antiga Igreja do Coração de Jesus (DEMOLIDA)

As estiagens prolongadas continuaram assolando o Siará. Um fenômeno típico do semiárido. No Ceará Provincial não foi diferente. Esse era um dos fatores que traduziam a situação de pobreza da Capitania do Siará. Essa precariedade evidenciava-se em diversos aspectos, um deles era a quantidade e características arquitetônicas dos templos religiosos aqui erguidos. As ricas ordens religiosas não se sentiam atraídas para aqui instalarem seus imponentes conventos e mosteiros. 

No Siará dos tempos da capitania tem-se relatos de três pequenas edificações religiosas. A mais antiga foi a ermida de invocação a Nossa Senhora da Assunção, de 1654, que situava-se nas instalações militares. A Igreja de Nossa Senhora do Rosário era uma capelinha de taipa e palha, em 1730. A outra foi a capela mor que antecedeu a matriz de São José, que somente em 1795, teve as obras parcialmente concluídas. 

Reinava D. Pedro II, quando mais uma seca se abateu sobre o Ceará. Intensificou-se em 1877 e prolongou-se até 1879. Uma das consequências foi um grande número de retirantes em Fortaleza. Nessa época José Francisco da Silva Albano, o Barão de Aratanha, que fez fortuna no comércio e sempre se mostrou um homem filantropo e caridoso, teve a ideia de construir um templo em Fortaleza sob a invocação e devoção do Sagrado Coração de Jesus. Nessa obra acolheu muitos flagelados em seu canteiro de obras. Teve uma contribuição do governo, que colaborou com metade dos tijolos fabricados pelos trabalhadores retirantes. 

Foto aérea da Igreja do Sagrado Coração de Jesus
Foto aérea da Igreja do Sagrado Coração de Jesus e adjacências
Foto do acervo particular

Sobre a Igreja concluída temos um relato de Bezerra de Menezes (citado por BARROSO, 1962, p. 371): 
“Sentada sobre uma plataforma de dois metros de altura, domina pela sua composição grandiosa e singela”.

Prossegue dando mais detalhes:

“Mede duzentos palmos de comprimento sobre sem de largura; o adro é cercado de uma grade de ferro, presa a colunas de alvenaria, onde se elevam as estátuas dos doze apóstolos, feitas de bronze em tamanho natural. É também de bronze e medem três metros de altura a estátua de Jesus, que se acha colocada na fachada por sobre o pórtico, que é de granito. Interiormente é o templo de três naves divididas por arcarias sobre colunas dóricas”.

Igreja do Sagrado Coração de Jesus, antes do desabamento
Igreja do Sagrado Coração de Jesus, antes do desabamento
Barroso (1962, p. 373)

A Igreja do Sagrado Coração de Jesus levou oito anos para se concluir, de 1878 a 1886, quando teve consagrado o seu altar-mor, no dia 25 de março, pelo então Bispo D. Joaquim José Vieira. 

A antiga Igreja do Sagrado Coração de Jesus exibia feições do estilo neoclássico, assemelhando-se a Igrejas de Fortaleza como do Patrocínio e de Nossa Senhora do Carmo e possuía dimensões relativamente modestas. Diferenciava-se externamente pelo coroamento do campanário, que era em flecha aguda. No início do século XX, a diocese passou a administração da igreja à Ordem Seráfica dos Capuchinhos da Missão do Maranhão. 

Como manda a tradição, tudo em Fortaleza tem que ser modificado, mudado ou apagado. Já na posse dos Franciscanos, o templo sofreu reformas no ano de 1952. A mais impactante foi na torre, que perdeu a flecha aguda, substituída por mais um nível contendo um pesado relógio. O coroamento foi com terraço em balaustrada, sobre a imagem do Cristo. 

Transcorria o ano de 1957. Os primeiros meses da quadra chuvosa foram fartos em água. No dia 14 de março houve o desmoronamento da torre da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, ocasionando a destruição da primeira metade do templo. Não houve vítimas. 

Igreja do Sagrado Coração de Jesus, depois do desabamento
Igreja do Sagrado Coração de Jesus, depois do desabamento
Barroso (1962, p. 375)

A antiga Igreja do Sagrado Coração de Jesus era simples, como simples são as igrejas de Fortaleza, porém carregava uma história, uma época, um estilo. Foi a igreja que brotou da seca.
Causas do desabamento a parte, a restauração foi descartada por religiosos e autoridades. A igreja foi demolida e uma nova edificada, que hoje se encontra no local. 

Cartão postal da Igreja do Sagrado Coração de Jesus
Igreja do Sagrado Coração de Jesus
Cartão postal do acervo particular
Armando Farias


BARROSO, Gustavo. À margem da história do Ceará. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1962.