Nos séculos XVIII e XIX a economia da Capitania do Sairá era predominantemente a indústria pastoril. Os rebanhos eram transportados por estradas aos grandes mercados, feiras de Pernambuco e da Bahia. O principal ator era o boiadeiro, o vaqueiro e o tangerino. Das praças consumidoras vinham instrumentos, panos e escravos. Essa modalidade de comércio causava diversos prejuízos por conta da longa jornada. A solução foi a comercialização do produto semi-industrializado na forma de mantas conservadas pelo sal. Com a grande aceitação do produto surgiu a venda através da navegação de cabotagem, assim as reses eram transportadas por menores distâncias, somente até os portos a serem carneadas. Os mais importantes eram os da embocadura do Rio Jaguaribe, Acaraú e Coreaú.
Imagem do acervo particular
Até o final do século XVIII a Capitania do Siará continuava subordinada a Pernambuco. Sujeição que muito prejudicava o desenvolvimento local principalmente no tocante ao comércio com o Reino, que era obrigatório ser feito através de Pernambuco por intermédio do porto do Recife.
Nesse período parte do comércio era constituído por gêneros da agricultura. A consequência desse processo de “baldeação” era a pequena margem de lucro que os produtores cearenses alcançavam visto que tinham que despender somas significativas com o frete até Pernambuco e para Portugal, encarecendo também ao consumidor final. Outro fator que inibia esse comércio era os naufrágios, que anualmente eram frequentes atribuídos a imperícia dos práticos. Esses altos custos também prejudicavam as trocas dos produtos locais com os importados, que alcançavam cifras elevadas e eram necessários no dia a dia da colônia.
Tais fatores prejudicavam o desenvolvimento da Capitania do Siará, desestimulando um incremento na produção local. Foram muitos os clamores por parte dos cearenses e demais habitantes radicados na capitania ao Reino de Portugal com objetivo de pôr fim a essa condição.
Porém nem todos perdiam. Os atravessadores tiravam vultosos lucros como verdadeiros especuladores sobre a situação.
Essas demandas também enfrentaram a negativa dos Governadores de Pernambuco, que por motivos óbvios não queriam perder suas receitas advindas dos produtos do Siará e não queriam abrir mão dos domínios de uma jurisdição que compreendia mais de mil e duzentas léguas quadradas. Mesmo após o Decreto Real havia tentativas contrárias, chegando ao ponto de tentar burlar a medida régia. “Insistiam na velha prática de mandar por terra os seus cavalos e bois as feiras pernambucanas, fazendo voltar por via marítima artigos e panos para suas lojas.” (GIRÃO, 1959, p. 96)
A solução veio através do Decreto assinado pela Rainha Dona Maria I com data de 17 de janeiro de 1799 ordenando a separação.
“Considerando os inconvenientes que se seguem, tanto ao meu Real serviço como ao bem dos povos, da inteira dependência em que os governos e as capitanias do Siará e da Paraíba se acham do Governador Geral da Capitania de Pernambuco, que pela distância em que reside não pode dar com prontidão as providências necessárias para a melhor economia interior daquelas capitanias.” (GIRÃO, 1959, p. 93)
“Em tudo que diz respeito a proposta de oficiais militares, nomeações interinas de oficiais e outros atos do governo”. Excluindo “defesa interior das três capitanias e a policia exterior interior das mesmas.” (GIRÃO, 1959, p. 93)
E acrescentou “Igualmente determino que do Siará e da Paraíba se possa fazer um comércio direto com o Reino, para o que se estabelecerão, em tempo e luar convenientes, as bases da arrecadação que forem precisas e se darão as outras providencias, que a experiência mostra, para a comunicação imediata e o comercio da dita capitania com esse Reino.” (GIRÃO, 1959, p. 95)
De pronto foi nomeado Bernardo Manuel de Vasconcelos para o cargo de Governador da Capitania do Siará. Embarcou no comboy que tinha por comandante o chefe de esquadra Paulo José da Silva Gama, no dia 23 de maio de 1779. Decorridos quase três meses de navegação, chegou ao porto de Pernambuco no dia 11 de agosto, onde se demorou por trinta e nove dias, tempo necessário para preparar as embarcações que deveriam comboiar demais empregados e gêneros e pretextos da Real Fazenda.
Em 25 de setembro, desembarcou no Porto de Mucuripe e em 29 do mesmo mês tomou posse do Governo. Bernardo de Vasconcelos demonstrou seu comprometimento ao novo cargo pondo-se ao par das necessidades da capitania que iria administrar, cercando-se de pessoas que nela já haviam habitado, destacando-se pelo elevado grau de instrução. Francisco Bento Maria Targine, que o encontrou ainda no Recife e tornou-se seu verdadeiro mentor.
Bernardo de Vasconcelos mostrou-se deveras empenhado em dar cabo às ordens de Dona Maria I, bem como efetuou diversas benfeitorias na capital abrindo estradas para ligá-la ao interior, estimulando a produção de arroz, proibindo a devastação das matas e preservação da madeira de lei. Nesse período houve um incremento na construção de casas na capital, se deu a instalação da Junta da Fazenda em 1 de outubro de 1799, e das baterias levantadas no Mucuripe com o nome de Forte de São Bernardo.
Bernardo de Vasconcelos faleceu no exercício das funções em 10 de março de 1802, não chegando portanto a ver a entrada do primeiro navio proveniente da Europa, fato que ocorreu em 10 de março de 1803, quando aportou no Mucuripe a Escuna “Flor do Mar”.
De imediato, substituiu Bernardo Vasconcelos uma Junta Provisória. Deu continuidade ao seu trabalho o novo Governador nomeado João Carlos Augusto de Oeynhausen, militar ilustre e homem de Estado, aqui chegando em 11 de novembro de 1803. Foi durante a sua gestão que saiu do porto do Aracati o primeiro carregamento de algodão transportado pelo navio “Cobra”. Oeynhausen regularizou definitivamente o comércio entre o Siará e o Reino, livrando-se da incômoda obrigação de fazê-lo por Pernambuco.
Não se pode deixar de mencionar o nome do rico português Antonio José Moreira Gomes, pioneiro empreendedor que desde 1777 estabeleceu-se em Fortaleza e foi grande incentivador e financiador do plantio de algodão, produto que após 1808 passou a comerciar também com a Inglaterra.
Armando Farias
GIRÃO, Raimundo. Geografia estética de Fortaleza. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1959.
GIRÃO, Raimundo. Pequena história do Ceará. 2. ed. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1962.