O cearense sempre deu mostras comportamentais contrários à escravidão, prevalecendo historicamente entre a população sentimentos de igualdade entre conterrâneos e irmãos de outras terras.
Emprestando um olhar sociológico nota-se que não se constituiu no Ceará nos séculos XVIII e XIX costumes no trato urbano e rural que correspondessem a uma sociedade escravocrata como a estabelecida nos moldes das antigas capitanias, posteriormente, províncias a exemplo Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, tema esse estilizado no clássico (Casa Grande e Senzala) de Gilberto Freire.
A índole do cearense sempre apontou para uma desconstrução do processo escravista. Em meados do século XIX, O Padre Martiniano de Alencar já propusera a substituição de nossos escravos por colonos estrangeiros, antecipando uma ideia que só seria efetivada no final da centúria vigente.
No ano de 1850, nosso parlamentar Pedro Pereira da Silva Guimarães, nos honrou com um projeto na Câmara Geral, que deveria beneficiar daquela data em diante o nascituro filho de escravo. Óbvio que os escravistas de plantão barraram.
Efetivamente as alforrias espontâneas tornaram-se frequentes no Ceará após a emancipação norte-americana em 1865.
Em 1868 em Resolução nº 1.254 da Assembleia Provincial sancionada em 28 de dezembro pelo presidente Diogo Velho Cavalcante de Albuquerque autorizava o Executivo a
“despender a quantia de quinze contos de réis com a emancipação de cem escravos que forem nascendo, de preferência os de sexo feminino, os quais serão libertados na pia, cem mil réis cada um” (art. 1º ).
O governo deveria distribuir a quantia pelas diferentes comarcas da Província, disso encarregada em cada termo uma comissão constituída do pároco, do juiz municipal e do presidente da Câmara do Município (ART. 2º).
Logo o sertão imita a capital, e quase todas as comarcas do Ceará passaram a criar comissões semelhantes a de Fortaleza, prosseguindo com as indenizações. Essa Resolução, com algumas emendas, torna-se a Lei de nº 1.334, de 22 de outubro.
No ano de 1870, surge no Ceará a primeira sociedade libertadora, a de Baturité, instalada em 29 de junho daquele ano, e tem entre o seu quadro de sócios pessoas gradas e intelectuais da época. No mesmo ano (25 de junho), Sobral funda a Sociedade Manumissora Sobralense.
A seca dos três anos 1877-1879, fora inclemente. Houve muitos que se valeram desse triste episódio vendendo clandestinamente escravos a províncias do Vale do Paraíba. Muitas fugas também ocorreram nesse período diminuindo consideravelmente o número de cativos na província.
De sorte prevaleceu entre cearenses o ideal da liberdade o que propiciou a criação da Perseverança e Porvir, que foi oficialmente instalada em 28 de setembro de 1879, data escolhida em homenagem aos oito anos de existência da Lei do Ventre Livre. A sociedade idealizada por dez moços de fé manteria um fundo de emancipação, que ia sendo alimentada com a contribuição espontânea dos associados e uma percentagem nos ganhos obtidos em cada operação mercantil.
Durante a sessão de dia 28 de novembro de 1880, fica determinada uma reunião para o dia 8 de dezembro seguinte, onde seria inaugurada a Sociedade Cearense Libertadora. Essa nova agremiação de pronto recebeu o engajamento de todo o povo cearense na luta sem trégua contra o fim da escravidão negra em nossa província.
Muito contribui a causa libertadora as greves da praia lideradas pelo liberto Antônio Napoleão e Chico da Matilde.
Anos mais tarde, no dia 25 de Março de 1884 uma campanha de êxito encheu de orgulho, luz e glória o povo cearense com a conquista da liberdade do elemento servil na província do Ceará.
GIRÃO Raimundo. Abolição no Ceará. 3a. ed. melhorada. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1984.