Muito se lê acerca dos dois períodos
em que o Padre Antonio Vieira esteve em missão no Brasil, Maranhão e Grão Pará,
(1653) e (1654/1661). Sobre o ano que esteve no Ceará mais precisamente na
Serra da Ibiapaba quase nada. Gustavo Barroso dedica um capítulo do seu livro À
Margem da História do Ceará (p. 36) ao “insigne jesuíta”.
Vieira foi deveras perseguido
por combater a escravidão indígena chegando ao ponto de ter que regressar a
Portugal. Retornou ao Brasil “armado com poderes extraordinários” dados por sua
majestade Dom João IV que o nomeou Pregador Régio para dar continuidade a sua
missão.
Foi nessa segunda permanência no
Brasil que perdurou por seis anos e meio (maio de 1654 até fins de 1661), que
Vieira em sua derradeira missão se deslocou para o Siará. O Padre Antonio Vieira
partiu de São Luis para a Ibiapaba em 3 de março de 1660 acompanhado de dois
jesuítas, Dom Jorge e o Padre Gonçalo de Veras e aproximadamente 50 índios pacíficos. Percorreu 600 léguas do Tapajós
a Ibiapaba intercalando jornadas a pé e embarcado, costeando o litoral alguns
dias, terminou a travessia por terra. Chegaram descalços, com os pés em chagas após 21 dias de jornada.
Chegaram na serra na quarta-feira de treva da semana santa que logo seguiu-se uma celebração, bem como em todos os dias da semana maior. Foi eleito padroeiro da missão da serra São Francisco Xavier, que teve sua imagem introduzida no altar da igreja.
João Francisco Lisboa anota o
quão era difícil essa travessia do Maranhão para o Ceará, “senão como coisa
impossível, ao menos como dificultosíssima”.
Vieira otimizou o percurso de
viagem fazendo um reconhecimento do relevo, vegetação e hidrografia da região.
Levantou 16 igrejas ao longo desse trajeto, produziu vários compêndios em sete
idiomas indígenas e em português entre formulários e catecismos. Pacificou,
converteu e civilizou diversas nações indígenas.
Chegando à Ibiapaba Vieira
fixou-se na aldeia de Viçosa hospedando-se no sítio da Companhia, o Tiaia, de
que nos dá notícia Milliet de Saint
Adolphe. Barroso assinala que são escassos os pormenores desse período.
Vieira nomeou “um superintendente
índio que vigiasse a sua observância, ao qual intitulou Braço-dos-Prades”.
Vieira de pronto realizou muitos prodígios entre os gentios, como batizados,
casamentos e pacificação em geral.
Após a passagem de Vieira pela
aldeamento de Viçosa, essa foi oficializada aldeia em 1700, depois se fez vila e finalmente cidade. Quase nada material ficou de
testemunho dessa missão. Barroso nos informa “uma relíquia preciosa e gloriosa:
a singela cadeira de braços seiscentista, de couro pregueado, em que ele
costumava sentar-se e que, certamente, amarrada a dois varais, servia para
transporta-lo, carregada pelos índios sob as ordens do Braço-dos-Padres”.
“Durante séculos conservou-se guardada na capela de Nossa Senhora da Assunção,
onde a vi na ultima vez em que estive em Viçosa, no ano de 1937. Dali
transferiram para o rico e admirável Museu Diocesano de Sobral, criação do
venerável e erudito bispo-conde d. José Tupinambá da Frota. Nele encontrei e
fiz fotografar em 1955”.
Poltrona do Padre Antônio Vieira - Museu Diocesano de Sobral
Barroso (1962, p. 33)
Documentalmente falando referente
ao Ceará Vieira nos legou o texto ”Relação da missão da serra da Ibiapaba” de
1660. Contém o relato das tentativas de catequizar (converter ao cristianismo)
os indígenas Tabajaras. Aponta o modo de vida do povo Tabajara, os seus costumes
e crenças e a forma como os protestantes holandeses avançaram na mesma região.
Segue trecho da descrição poética
de Vieira sobre a serra. “Ibiapaba, explica em carta, na linguagem dos naturais
que dizer serra talhada, não é só uma serra como vulgarmente se chama, senão
muitas, que se levantam ao sertão das praias de Camuci; e mais parecidas a
ondas do mar alterado, que a montes, se vão sucedendo e encapelando umas após
das outras, em distancia de mais de 40 léguas. São todas formadas de um só duríssimo
rochedo; em partes escavado e medonho; em outras coberto de verdura e terra
lavrada, como se a natureza retratasse nesses negros penhascos a condição de
seus habitantes; que, sendo sempre duros como de pedra, às vezes dão
esperanças, e se deixam cultivar. Da altura dessas serras não se pode dizer
coisa certa, mais que são altíssimas, e que se sobem as que o permitem, com
maior trabalho da respiração, que dos mesmos pés e mãos, e que é forçoso usar
em muitas partes. Mas depois que se chega ao alto delas, pagam muito bem o
trabalho da subida, mostrando aos olhos um dos mais formosos painéis, que por
ventura pintou a natureza em outra parte do mundo; variando de motes, vales,
rochedos, picos, bosques e campinas dilatadíssimas, e dos longes do mar no extremo
dos horizontes...As águas são excelentes...” Sobretudo, olhando do alto para o fundo das serras, estão-se
vendo as nuvens debaixo dos pés, que, como é coisa tão parecida ao céu, não só
causam saudades, mas já parece que estão prometendo o mesmo que se vem buscar
por êstes desertos. Os dias no povoado da serra são breves, porque às primeiras
horas do sol cobrem-se com as névoas, que são contínuas, e muito espêssas. As
últimas escondem-se antecipadamente nas sombras da serra, que para a parte do
ocaso são mais vizinhas e levantadas. As noites, com ser tão dentro da Zona
Tórrida, são frigidíssimas em todo o ano, e no inverno com tanto rigor, que
igualam os grandes frios do Norte, e só se podem passar com a fogueira sempre
ao lado.
Padre Antonio Vieira faleceu em
Salvador, Bahia em 117 de junho de 1697.
Armando Farias
BARROSO, Gustavo. À margem da história do Ceará. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1962.